segunda-feira, 29 de junho de 2009

Ah, o amor...

“Talvez convenha, em atenção à clareza, mencionar alguns exemplos da maneira como a sociologia olha além das fachadas das estruturas sociais. (...) Mais um exemplo. Supõe-se geralmente nos países ocidentais (e sobretudo nos Estados unidos) que homens e mulheres se casem porque estejam apaixonados. Segundo uma arraigada mitologia popular, o amor é uma emoção de caráter violento e irresistível que ataca ao acaso, um mistério que constitui a meta da maioria dos jovens e muitas vezes de pessoas já não tão jovens. Entretanto, assim que se começa a investigar um número representativo de casamentos, percebe-se que a flecha do Cupido parece ser teleguiada com bastante segurança para canais bem definidos de classe, renda, educação e antecedentes faciais e religiosos. Investigando-se um pouco mais do comportamento dos casais antes do casamento, encontra-se mais canais de interação que com freqüência são bastante rígidos para merecer o nome de ritual. O investigador começa a suspeitar que, na maioria dos casos, não é tanto a emoção do amor que cria certo tipo de relação, mas justamente o contrário: relações cuidadosamente pré-definidas, e muitas vezes planejadas, por fim geram a emoção desejada. Em outras palavras, quando certas condições são satisfeitas, natural ou artificialmente, uma pessoa permite-se “apaixonar-se”. O sociólogo que investigar nossos padrões de “corte” (eufemismo tendencioso) e casamento logo descobrirá uma complexa trama de motivações multifariamente relacionada a toda a estrutura institucional dentro da qual vive um individuo – classe, carreira, ambição econômica, aspirações de poder e prestígio. O milagre do amor parece então um pouco sintético. De mesma forma, isto não significa necessariamente que o sociólogo afirme que a interpretação romântica seja uma ilusão. Entretanto, também neste caso ele lançará os olhos além das interpretações imediatas e aprovadas. Ao contemplar um casal que, por sua vez, contempla a lua, não há porque o sociólogo se sinta na obrigação de negar o impacto emocional da cena. Entretanto, levará em consideração a máquina que participou da construção da cena em seus aspectos não lunares: o símbolo de status que abriga os namorados (o automóvel), os cânones de gosto e tática que determinam o costume, as muitas formas como a linguagem e a conduta situam socialmente os protagonistas, definindo assim a localização social e a intencionalidade de toda aquela atividade.”
Peter Berger

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